A cessão de créditos vem se consolidando como um dos instrumentos jurídicos mais relevantes no cenário contemporâneo, sobretudo por sua capacidade de oferecer liquidez em um ambiente de morosidade judicial.
No contexto das execuções trabalhistas, esse mecanismo assume papel estratégico ao permitir que o titular de um crédito judicial já reconhecido possa transformá-lo em recurso financeiro de forma legítima, segura e dentro dos limites do ordenamento jurídico.
Neste texto, analisaremos como a cessão de créditos se relaciona com a democratização do acesso à liquidez, permitindo soluções financeiras reais para credores que aguardam a satisfação de sentenças judiciais.
O que é a cessão de créditos?
A cessão de crédito é um negócio jurídico translativo que permite a substituição do credor na relação obrigacional, sem alteração do conteúdo da obrigação e sem necessidade de anuência do devedor, conforme dispõem os arts. 286 a 298 do Código Civil.
Nessa operação, o crédito é transferido por ato entre vivos a um terceiro (cessionário), total ou parcialmente, permanecendo íntegros o título que o originou e as garantias a ele vinculadas, como penhora, preferência legal e caráter alimentar, quando aplicável.
No plano jurídico, a cessão configura mera modificação subjetiva na posição ativa da relação obrigacional, não havendo novação, extinção ou modificação da dívida. Essa compreensão foi consolidada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 361 da Repercussão Geral (RE 631.537), que reconheceu expressamente que a cessão não altera a natureza jurídica do crédito nem desloca a competência da Justiça do Trabalho para sua execução.
No campo processual, a admissibilidade da cessão encontra respaldo no art. 778, §1º, VI, do CPC/2015, que legitima o cessionário a prosseguir na execução em nome próprio, bem como nos princípios da continuidade processual e da efetividade da tutela jurisdicional.
A sistemática adotada pelo ordenamento brasileiro privilegia a utilidade do crédito como bem patrimonial, permitindo sua circulação regular, desde que preservada a boa-fé objetiva e a notificação do devedor (art. 290 do CC).
Além de juridicamente válida, a cessão cumpre função econômica relevante ao permitir a circulação de créditos judicializados, frequentemente travados em fases de execução prolongadas. Ao incidir sobre direitos patrimoniais disponíveis, esse instituto harmoniza a segurança jurídica com a liberdade negocial, permitindo que o titular do crédito disponha
Cenário de crise de liquidez das famílias brasileiras
A discussão sobre liquidez está diretamente associada às limitações financeiras enfrentadas por grande parte dos credores trabalhistas, que aguardam por longos períodos a satisfação de créditos já reconhecidos judicialmente. O atraso estrutural da execução, somado às dificuldades de localização de bens e resistência dos devedores, cria um ambiente de incerteza econômica e vulnerabilidade financeira.
O trabalhador, ao ver seu crédito travado por anos na Justiça, permanece impossibilitado de transformar esse direito em utilidade econômica. Muitas vezes, é pressionado a aceitar acordos desvantajosos, renunciando uma parte significativa apenas para ter algum retorno financeiro imediato.
Como observa Ragazzo (2025, p. 68):
“O longo período de retenção dos valores devidos em disputas trabalhistas significa que esses trabalhadores têm seu fluxo de renda interrompido ou reduzido, sem possibilidade de acesso imediato ao montante que lhes é de direito.”
Esse cenário revela que a discussão sobre cessão de crédito ultrapassa um debate jurídico abstrato: trata-se de uma questão de acesso real à justiça e de efetividade econômica dos direitos reconhecidos.
Cessão de crédito: uma alternativa possível
A cessão de crédito emerge como resposta prática e juridicamente estruturada à crise de liquidez enfrentada por credores trabalhistas. Em vez de depender exclusivamente do sistema financeiro tradicional ou aguardar indefinidamente a satisfação judicial, o credor pode negociar seu crédito de forma segura, transparente e juridicamente válida.
Com a possibilidade de antecipar o valor no qual já tem direito, o titular transforma um ativo judicial em liquidez imediata, permitindo reorganização financeira, pagamento de dívidas urgentes e retomada do planejamento econômico.
Além de sua funcionalidade financeira, a cessão fortalece a autonomia do credor, equilibrando sua posição frente ao devedor e reduzindo a dependência de acordos judiciais forçados pelo tempo. Em muitos casos, é o único mecanismo eficaz para evitar que a demora processual desvalorize o crédito com o passar dos anos.
Ragazzo (2025, p. 19) afirma que: “a cessão reduz a necessidade de recorrer a modalidades onerosas de financiamento, como o cheque especial e o crédito rotativo, cujos encargos financeiros frequentemente agravam a situação econômica das famílias.”
Assim, a cessão de crédito não é apenas juridicamente possível, ela cumpre função social e econômica concreta, permitindo ao credor finalmente usufruir de um direito já reconhecido pelo Judiciário.
Conclusão
A cessão de crédito apresenta-se como ferramenta legítima, segura e juridicamente eficaz para democratizar o acesso à liquidez, especialmente em contextos de execução trabalhista. Com respaldo normativo e jurisprudencial, cumpre papel relevante no sistema jurídico contemporâneo ao assegurar não apenas o reconhecimento formal do direito, mas sua realização prática. Seu uso não compromete a natureza do crédito cedido, não prejudica o devedor e não afasta o controle jurisdicional, mantendo-se integralmente alinhado ao devido processo legal.
Ao conferir autonomia patrimonial ao credor e oferecer alternativa real diante da morosidade judicial, a cessão contribui para uma justiça mais eficiente, moderna e funcional. Trata-se de instrumento que deve ser compreendido como parte integrante da dinâmica processual atual, capaz de gerar soluções concretas em benefício da efetividade da jurisdição.
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Referências Bibliográficas
RAGAZZO, Carlos. Cessão de Créditos Trabalhistas, Autonomia do Trabalhador e Democratização do Acesso ao Crédito: Um Enfoque Jurídico-Econômico. São Paulo: Editora JusPodivm, 2025.